Espadas de São João: e quem não pode correr, nem aproveitar a festa?“ É tradição para uns, mas prisão domiciliar para outros.”
Espadas de São João: e quem não pode correr, nem aproveitar a festa?“ É tradição para uns, mas prisão domiciliar para outros.”

Enquanto espadeiros lutam pela legalização da guerra de espadas — manifestação cultural centenária em cidades como Senhor do Bonfim e Cruz das Almas —, uma pergunta inquietante ecoa nas ruas abafadas pelo som dos explosivos: e quem não pode transitar nem aproveitar a festa?
Todo ano, com a aproximação do São João, comunidades inteiras se dividem entre o amor pela tradição e o medo pelo barulho ensurdecedor, pelo risco de queimaduras, pelas casas que tremem como se fossem romper — e pela exclusão imposta a idosos, crianças, pessoas com deficiência, com autismo e mobilidade reduzida, que simplesmente não podem sair de casa.
Enquanto espadeiros seguem numa luta legítima por reconhecimento cultural, o que é oferecido a quem tem pavor da festa? A quem vê sua liberdade violada, enclausurado no próprio lar por medo de um artefato que pode explodir na calçada, na porta de casa, na esquina da padaria?
A tradição, quando desregulamentada e descontrolada, vira privilégio para uns e castigo para outros.
O dilema: cultura ou caos?
Desde a proibição baseada no Estatuto do Desarmamento, os espadeiros buscam a regulamentação da fabricação dos explosivos. Em 2017, a prática foi considerada patrimônio imaterial do município — decisão posteriormente anulada pela Justiça. Agora, com apoio técnico de entidades mineiras e reconhecimento de utilidade pública, o grupo espera um novo fôlego para que a tradição deixe a clandestinidade.
Sim, cultura deve ser preservada. Mas a que custo? E para quem?
Como jornalista e ativista dos direitos humanos, reconheço a importância do patrimônio imaterial. Mas também sei que nenhuma manifestação cultural pode silenciar direitos básicos, como o de ir e vir, o de viver em paz, o de não se traumatizar a cada explosão.
Segurança, inclusão e tradição não podem caminhar separadas
Não se trata de acabar com a festa, mas de regulamentar com responsabilidade. Se há possibilidade de fabricação segura, áreas delimitadas e horários respeitados, por que o estado insiste em tratar o tema apenas com repressão, e não com diálogo e mediação cultural?
A Bahia merece preservar suas raízes. Mas também precisa proteger suas pessoas.
As espadas iluminam o céu — mas para muitos, elas escurecem a vida.
E no final, fica o estalo que não se apaga:
"De que vale uma tradição que explode sonhos e silencia vozes? Reflita. Compartilhe. O São João é de todos — ou não é de ninguém. Nilson Carvalho "
Foto: Internet
Matéria: Jornalista Nilson Carvalho, Embaixador dos Direitos humanos
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